sexta-feira, 2 de maio de 2014

Resenha de O Amante, de Marguerite Duras




Marguerite Duras, em seu romance O Amante subverte, ao mesmo tempo, dois gêneros da Literatura – a autobiografia e o romance de formação.
Se por um lado, somos levados a crer que estamos diante de um relato autobiográfico, ouvimos uma voz logo no início da narrativa que afirma “A história da minha vida não existe”. Mas esta não é a única voz do romance. Ao longo de suas páginas ouvimos vozes distintas. Ora somos chamados a compartilhar experiências – “Na balsa, olhem para mim, tenho ainda os cabelos compridos”;  ora esta mesma voz toma as rédeas da narrativa e perde-se em suas próprias lembranças. Outras vezes, ainda, torna-se personagem dela mesma – “O corpo é franzino, quase mirrado, seios ainda de criança, pintada de rosa pálido e vermelho”. Vamos, aos poucos, aprendendo a escutar as vozes e os tempos que se intercalam continuamente. Em O Amante, passado, presente e futuro se confundem e se distinguem apenas no instante da escrita e que, por isto mesmo, desafia as regras da autobiografia.

Também somos induzidos a pensar, não apenas pelo título do livro mas exatamente por funcionar como fio condutor da narrativa, tratar-se de um história de iniciação amorosa, da passagem da juventude à vida adulta – tal qual ocorre nos romances de formação. Mas o livro é bem mais do que isso. Ele é isso também, mas acredito a força do texto está muito mais na crítica severa que Duras faz ao sistema colonial e seus efeitos nas sociedades e no interior da própria família.
Lá pelas tantas lemos ”... aí está a parte mais profunda de nossa história em comum, somos os três filhos dessa pessoa de boa fé, nossa mãe, assassinada pela sociedade”.  (página 47 da minha edição)
O amante (ou o amor, se preferirem) simboliza a relação de dependência e assimétrica típicas do colonialismo. Só há colono porque há colonizado, só há Colônia porque há Império.
Para uma “branca” de origem francesa a relação com a China é impossível -  “Nos primeiros dias já sabíamos que uma vida em comum não era possível.”
Há sim, no romance, a perda da inocência mas esta refere-se, fundamentalmente,  ao processo de conscientização dos mecanismos da sociedade colonial. Não à toa, no primeiro encontro entre os amantes, ouvimos: “Nunca mais eu viajaria num ônibus de nativos. Teria agora uma limusine para levar-me ao liceu e trazer-me de volta ao pensionato. Jantaria nos lugares mais elegantes da cidade. E para sempre teria saudades de tudo o que fiz então, de tudo o que abandonei, de tudo o que aceitei, o bom e o mau...”

Mas a crítica de Duras é ainda mais impiedosa uma vez que ela compreende que esta experiência colonial na Indochina Francesa deixa marcas profundas, que se estendem por gerações e gerações. Em algum momento na narrativa, ela diz ter encontrado uma fotografia do filho, na Califórnia, vinte anos depois, rodeado de amigas e, ao olhar para a foto, para o olhar do filho, ela imediatamente é lavada a acreditar que esta foto poderia, realmente, ter sido feita anos antes, no Rio Mekong.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Resenha de A Fazenda Africana, de Karen Blixen



O que o leitor irá conhecer nas páginas autobiográficas de A Fazenda Africana da dinamarquesa Isak Dinesen (pseudônimo de Karen Blixen) é a qualidade nata de uma contadora de histórias. A voz narrativa que ecoa ao longo da leitura nos embala e, por vezes, nos presenteia com reflexões surpreendentes em relação aos assuntos mais cotidianos. Sua sensibilidade única transforma estes momentos em pequenas pérolas que carregamos conosco por dias a fio e que acabam fazendo com que olhemos o mundo de outra forma. É o caso, por exemplo, da sua descrição do trabalho com o carvão, que em sua voz se transforma em “uma espécie de pequena e negra múmia da floresta”.

Mas o que mais surpreende na narrativa da autora é sua maneira de observar o mundo. Logo na página 20 da minha edição (Civilização Brasileira, 1979) a autora nos oferece uma chave de leitura importante (leitura da obra e também da vida). Ao relatar sua experiência como médica dos Kikuyus ela nos fala (com admiração) que, para eles, “... entre as qualidades que esperam encontrar num Mestre, num médico ou em um Deus, a imaginação, é o que vem em primeiro lugar”.
Não seria esta também uma verdade para a autora?


O contraste, ou melhor, a forma como ela tece esse preceito com as árduas tarefas de administradora da fazenda resultam na sua forma de transformar registro em poesia, em “desenho vivo”, como aquela lembrança tão vívida de ver surgir, da palavra falada, a imagem de uma cegonha.

Leitura feita a partir do Projeto Mulheres Modernistas do Fórum Entre Pontos e Vírgulas.

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Este blog nasceu da vontade de participar de fóruns de leitura e de conversas literárias ... Não é de hoje que tenho este desejo e, por vezes, compartilhei leituras em outros blogs. Recuperarei algumas destas antigas resenhas mas o esforço é o de tentar, a partir de agora, ser mais sistemática e, de fato, participar das discussões que tenho encontrado por aí.